Socióloga e psicanalista, Virgínia Leone Bicudo foi uma pioneira nos estudos sobre o racismo na sociedade brasileira nos primórdios da institucionalização universitária das ciências sociais no país. Realizou pesquisas sobre as relações raciais na cidade de São Paulo, a partir das interfaces entre sociologia, antropologia, psicologia social e psicanálise, sendo ainda uma das protagonistas na produção intelectual, atuação profissional e difusão da psicanálise.

No ano de 1936, Bicudo ingressou na Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), ampliando sua visão sociológica inicialmente desenvolvida no âmbito da educação sanitária, na estreita relação entre saúde, higiene infantil e condições socioeconômicas. Dois anos depois, bacharelou-se em Ciências Sociais e Políticas, sendo a única mulher formada numa turma de oito alunos. Nesse intervalo, ela se aproximou da psicanálise através do médico Durval Marcondes, fundador do Serviço de Higiene Mental Escolar (SHME). Marcondes intermediou o contato da socióloga com a sua primeira analista, a judia-alemã Adelheid Koch, refugiada do nazismo. Virginia tornou-se visitadora psiquiátrica do SHME e, ao lado de Marcondes, ministrou as disciplinas Higiene Mental e Psicanálise na ELSP.

Em 1942, Bicudo ingressou ao lado de Oracy Nogueira e Gioconda Mussolini, na primeira turma da recém-criada Divisão de Estudos Pós-graduados da ELSP, coordenada por Donald Pierson (1900-1995). Sob a orientação do sociólogo estadunidense, autor de Brancos e Pretos na Bahia (1945), a dissertação de Virginia versou sobre as atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo, inspirada na tradição da chamada Escola Sociológica de Chicago que valoriza a observação direta, os depoimentos, o contato efetivo com o grupo analisado, a sociabilidade urbana e a perspectiva interdisciplinar. Seu estudo combina a análise sociológica da estrutura de classes e os aspectos psicossoais (atitudes) e psicanalíticos.

No início dos anos 1950, Virgínia foi convidada a integrar a equipe de pesquisadores do “Projeto Unesco de Relações Raciais” por indicação de Otto Klineberg, reunindo Oracy Nogueira, Florestan Fernandes, Roger Bastide, Aniela Ginsberg, Luiz de Aguiar Costa Pinto, Rene Ribeiro, entre outros. A participação de Bicudo no “projeto Unesco” contribuiu para a produção de um conjunto de dados e análises sistematizadas sobre o preconceito e a discriminação racial no Brasil. Seus achados sociológicos interpelaram visões tradicionais que concebiam a existência de harmonia racial e interpretavam o preconceito de cor como subsumido ao de classe.

Extraído de Virgínia Leone Bicudo, de Marcos Chor Maio. A íntegra da nota biográfica está disponível online


Para saber mais:

GOMES, J.D. (2013). Os segredos de Virgínia: estudos de atitudes raciais em São Paulo (1945-1955). Tese de Doutorado em Antropologia Social. PPGAS-USP, São Paulo. Online

Obras

1945. Estudo de atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. Tese. (Mestrado em Ciências), Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo.

1946. Função da Visitadora Psiquiátrica na Clínica de Orientação Infantil. Métodos de diagnóstico e tratamento psicossocial. In: MARCONDES, Durval (Org.). Noções Gerais de Higiene Mental da Criança. SP: Martins, pp.79-90.

1946. Papel do Lar na Higiene Mental das Crianças. In: MARCONDES, Durval (Org.). Noções Gerais de Higiene Mental da Criança. SP: Martins, pp.101-110.

1947. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. Sociologia: revista didática e científica, vol. IX, n.3.

1948. Contribuição para a Historia do Desenvolvimento da Psicanálise em São Paulo. In: Arquivos de Neuropsiquiatria.

1949. Contribuição ao estudo das condições de trabalho e da personalidade de mestres de indústria em São Paulo. Sociologia: revista didática e científica, v.XI, n.2.

1955. Atitudes dos alunos dos grupos escolares em relação com a cor dos seus colegas. In: BASTIDE, R.; FERNANDES, F. (Orgs.) Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo: ensaio sociológico sobre as origens, as manifestações e os efeitos do preconceito de cor no município de São Paulo. São Paulo: Anhembi, pp.227-310.

1989. Memória e Fatos. In: Revista IDE, 18.

1994. “Já fui chamada de Charlatã”. Entrevista a Claudio Tognolli, Folha de São Paulo, 5 nov., p.6.