Considerada a primeira mulher africana a realizar um filme (La Passante, 1972) e igualmente a primeira a dirigir um longa-metragem lançado comercialmente (Kaddu Beykat, 1975), a senegalesa Safi Faye possui uma filmografia que se estende por quase 50 anos e cuja envergadura, contundência e atualidade ainda estão para ser devidamente compreendidas e estudadas. Apesar do amplo reconhecimento de seu pioneirismo e a recente intensificação da difusão de seus três longas-metragens (Kaddu Beykat, Fad’Jal e Mossane), grande parte do trabalho da cineasta e antropóloga permanece desconhecido do público, mesmo africano, embora, questionada sobre para quem havia feito um filme como Fad’Jal, tenha certa vez afirmado, com sua habitual agudeza de espírito: “Primeiramente, para a África, para o povo africano – aqueles que sabem o que é a África e aqueles que não sabem mesmo que pensem saber. E, depois, para o resto”.

Safi Faye nasceu em 1943, em Dakar, no seio de uma grande família camponesa; seus pais nasceram em Fad’Jal, numa aldeia ao sul de Dakar, e são de etnia serere. Quando jovem, começa a trabalhar como professora primária, e isso a permitia frequentar ambientes artísticos e culturais do Senegal. Foi num desses momentos que ela conheceu o antropólogo e cineasta francês Jean Rouch (1917-2004), no Festival de Artes Negras de Dakar, no ano de 1966. A partir deste encontro, teve sua primeira experiência no cinema, como atriz do filme Petit à Petit (França, 1970).

Em 1972, Safi muda-se para Paris e inicia os estudos em Etnologia na École Pratique des Hautes Études en Sciences Sociales, e, no ano seguinte, ingressa na escola de cinema Louis Lumière. Em 1979, conclui o doutorado em Etnologia pela Universidade de Paris IV, tendo como objeto de pesquisa a etnia serere. No mesmo ano, é convidada a integrar o corpo docente da Universidade Livre de Berlim, onde também estudou produção de vídeo.

Safi Faye transita por duas extremidades, dois espaços de fala que foram demarcados pela colonização. O primeiro é esse olhar íntimo sobre suas vivências no interior da aldeia, a relação com a família e com a comunidade. E o segundo é o olhar a partir de sua trajetória pela diáspora. Foi a sua saída da aldeia que a permitiu ter esse “olhar duplo” sobre a África, e esses aspectos provocam transformações fundamentais que ficam expressas em sua obra. Ela não só realiza pesquisa sobre sua comunidade, como também faz filmes sobre e com ela.

Textos extraídos e adaptados de Olhar-duplo: Breve reflexão sobre a obra de Safi Faye, de Evelyn Sacramento (FestCurtasBh 2018), e Safi Faye: pioneira em movimento, do catálogo do FestCurtasBH (2018). Ambos estão disponíveis online

Para saber mais:

SACRAMENTO, E. (2019). Safi Faye: Cinema e percurso. Revista Cantareira, 25, pp.88-95. Online

DE GROOF, M. (2018). Ethnographic Film’s Relation to African Cinema: Safi Faye and Jean Rouch. Visual Anthropology, 31:4-5, 426-444. Online

ELLERSON, B. (2019). Safi Faye’s Mossane: a song to women, to beauty, to Africa. Black Camera: an international film journal 10, no. 2 (Spring 2019): 250–265. Online

Obras

1976. Contribution à l'étude de la vie religieuse d'un village sérère, Fadial (Sénegal). Ecole Pratique des Hautes Etudes, Thèse.

Filmografia

1972. The Passerby (La Passante), 10 minutos

1973. Revenge, 15 minutes

1975. Letter from My Village (Kaddu Beykat), 98 minutos

1979. The Harvest Is In (Göob Na Nu), 29 minutos

1979. Come and Work (Fad’Jal), 113 minutos

1979. Three Years and Five Months, 30 minutos

1980. I, Your Mother (Man Sa Yaay), 60 minutos

1980. As Women See It?, 32 minutos

1981. Souls in the Sun, 27 minutos

1983. Selbé: One Among Many, 32 minutos

1984. Ambassades nourricières, 52 minutos

1985. Elsie Haas, Haitian Woman Painter and Filmmaker, 8 minutos

1985. Black Roots, 11 minutos

1989. Tesito, 27 minutos

1996. Mossane, 106 minutos